INTERPRETAÇÃO DE EXAMES LABORATORIAIS RELACIONADOS AOS DISTÚRBIOS DA TIREOIDE
Resumo
Elen Zamberlan Seccon1, Laura Costa Ritta2, Larissa Dipp de Lima3, Leonardo Correa Bellinaso4, Flávia Fernandes Paiva5, Fernanda Severo Dall’Asta6
1 – Acadêmica do Curso de Nutrição do Centro Universitário da Região da Campanha-URCAMP elenseccon194157@sou.urcamp.edu.br
2 – Acadêmica do Curso de Nutrição do Centro Universitário da Região da Campanha-URCAMP
3 – Acadêmica do Curso de Nutrição do Centro Universitário da Região da Campanha-URCAMP
4 – Acadêmico do Curso de Nutrição do Centro Universitário da Região da Campanha-URCAMP
5 – Doutora em Ciência e Tecnologia de Alimentos
6 – Especialista em Enologia do Centro Universitário da Região da Campanha-URCAMP
Os exames laboratoriais são essenciais no acompanhamento nutricional de indivíduos com distúrbios da tireoide. Dessa forma, o presente trabalho teve como objetivo auxiliar na compreensão dos distúrbios tireoidianos e na interpretação de parâmetros bioquímicos relacionados à função da tireoide. Com base em uma pesquisa bibliográfica, elaborou-se um material didático na forma de ebook voltado a acadêmicos de nutrição e nutricionistas, o qual foi divulgado por meio de aplicativos de mensagens e redes sociais. Esse material conteve uma descrição básica dos distúrbios da tireoide, orientações sobre a avaliação bioquímica de pacientes com essas patologias e informações sobre os exames complementares relacionados ao ferro e ao selênio, apresentando os valores de referência, bem como os dados de estudos que correlacionaram tais parâmetros laboratoriais com diferentes desfechos clínicos. O ebook obteve uma boa aceitação, despertando o interesse de estudantes e nutricionistas em conhecer melhor os parâmetros laboratoriais de maior relevância no acompanhamento do hipertireoidismo e do hipertireoidismo. Portanto, é necessário que os nutricionistas sejam capazes de realizar uma avaliação bioquímica adequada, a fim de conhecer o estado de saúde de pacientes com distúrbios da tireoide e corrigir possíveis deficiências nutricionais, proporcionando assim uma melhor qualidade de vida.
Palavras-chave: Hipertireoidismo; Hipotireoidismo; Selênio; Ferro; Avaliação bioquímica.
A tireoide é considerada um dos maiores órgãos do sistema endócrino e é responsável pela produção dos hormônios tiroxina (T4) e tri-iodotironina (T3), com funções essenciais no metabolismo humano. Os principais distúrbios que afetam essa glândula são o hipertireoidismo, causado pelo aumento na síntese e liberação de hormônios tireoidianos, e o hipotireoidismo, caracterizado por uma produção hormonal deficiente (Gonçalves e Nunes, 2022).
A dosagem sérica dos níveis de TSH, T4 e T3 é realizada no diagnóstico e no monitoramento do hipertireoidismo e do hipotireoidismo (Carvalho, Perez e Ward, 2013). Além disso, os exames laboratoriais que avaliam a disponibilidade de selênio e de ferro no organismo também auxiliam no acompanhamento nutricional de pacientes com distúrbios tireoidianos, visto que esses minerais desempenham um papel importante na síntese hormonal e no combate ao estresse oxidativo na tireoide (Zhou et al., 2022).
Dessa forma, o presente trabalho teve como objetivo auxiliar acadêmicos de nutrição e nutricionistas na compreensão dos distúrbios tireoidianos e na interpretação de parâmetros bioquímicos relacionados à função da tireoide, a fim de estabelecer uma conduta nutricional adequada a cada paciente.
metodologia
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica realizada utilizando o mecanismo de pesquisa Google Acadêmico e as bases de dados PubMed e SciELO. Foram incluídos artigos, trabalhos de conclusão de curso, dissertações, teses e livros que abordassem a função tireoidiana, o hipotireoidismo, o hipertireoidismo, formas de tratamento e parâmetros bioquímicos relacionados a essas patologias. O período de realização do projeto foi de março a junho de 2023.
Posteriormente, com base nos resultados encontrados, foi elaborado um material didático na forma de ebook com a finalidade de auxiliar acadêmicos de nutrição e nutricionistas na compreensão desses distúrbios e facilitar a interpretação de exames laboratoriais.
Resultados e discussão
A dosagem de TSH é o exame mais sensível e específico para identificar as disfunções tireoidianas (Gonçalves e Nunes, 2022). O valor de referência para o TSH sérico em adultos é entre 0,4-4,5 mUl/L. Entretanto, alguns pesquisadores defendem a redução desse limite para 2,5 mUI/L, visto que pacientes com TSH superior a esse valor apresentam maior risco de desenvolver hipotireoidismo e, entre eles, é maior a prevalência de anticorpos antireoidianos (Carvalho, Perez e Ward, 2013).
A determinação dos níveis séricos de T4 livre é realizada com frequência para monitorar alterações no funcionamento da tireoide, enquanto que a dosagem de T3 livre é menos utilizada, mas pode ser útil para diagnosticar o hipertireoidismo e monitorar a resposta ao tratamento (Rao e Snyder, 2022). Os valores de referência para adultos para os níveis séricos de T4L são de 0,7-1,8 ng/dL e de T3L são de 2,3-5,0 pg/mL (Carvalho, Perez e Ward, 2013).
Também podem ser realizados exames específicos para a identificação de doenças autoimunes da tireoide, incluindo o anticorpo contra a peroxidase tireoidiana (TPO), anticorpo antitireoglobulina e anticorpo contra receptor de TSH (Gonçalves e Nunes, 2022).
O selênio é necessário na síntese de selenoproteínas que participam do combate ao estresse oxidativo na tireoide e atuam no metabolismo dos hormônios tireoidianos, entre elas, a glutationa peroxidase (GPx), a tioredoxina redutase (TrxR) e as deiodinases de iodotironina (DIOs) (Wang et al., 2023). Consequentemente, níveis reduzidos de selênio reduzem a atividade das selenoproteínas, podendo gerar um estado de estresse oxidativo prejudicial ao funcionamento da tireoide (Mikulska et al., 2022).
O valor de referência para a concentração sérica de selênio é entre 46 µg/L e 143 µg/L (Silva et al., 2020). Entretanto, um estudo realizado por Bleys, Navas-Acien e Guallar (2008) identificou uma redução na mortalidade por todas as causas entre indivíduos que apresentavam níveis de selênio de 130 a 150 µg/L. Um estudo mais recente mostrou resultados semelhantes, associando valores de 122-165 µg/L a uma menor mortalidade (Goyal, Terry e Siegel, 2013).
A enzima peroxidase tireoidiana (TPO), assim como outras enzimas e proteínas que também participam do metabolismo da tireoide, apresenta ferro em sua composição (Starchl, Scherkl e Amrein, 2021). Dessa forma, a deficiência de ferro pode reduzir a síntese dos hormônios tireoidianos. Alguns estudos encontraram, inclusive, uma maior prevalência de deficiência de ferro e anemia ferropriva entre indivíduos com distúrbios da tireoide (Zhou et al., 2022).
Na avaliação das reservas de ferro do organismo, os exames laboratoriais de hemoglobina, transferrina e saturação da transferrina estão entre os mais utilizados (Cappellini, Musallam e Taher, 2019).
Níveis de hemoglobina <13 g/dL para homens adultos, <12 g/dL entre mulheres adultas e < 11 g/dL entre gestantes caracterizam anemia (Cappellini, Musallam e Taher, 2019). A anemia ferropriva é a forma mais comum, mas níveis baixos de hemoglobina também podem indicar anemia megaloblástica, anemia congênita, anemia causada por neoplasias, entre outras condições (Rao e Snyder, 2022).
A concentração de ferritina se correlaciona com a reserva de ferro no organismo. Entretanto, a ferritina é um reagente de fase aguda cujos níveis se elevam em condições de inflamação. Por isso, para detectar deficiência de ferro, são recomentados valores de <30 ng/mL para pacientes que não apresentam processos inflamatórios e valores de <100 ng/mL para indivíduos com inflamação (Cappellini, Musallam e Taher, 2019).
Porém, em um estudo de Zacharski et al. (2017) foi proposta a utilização de valores de referência de 80-100 ng/mL para ferritina, considerando que esses níveis foram associados a uma redução no risco de diabetes mellitus tipo 2 e de doenças cardiovasculares. Por outro lado, um estudo de coorte entre homens chineses demonstrou que, acima de 221 ng/ml, o aumento da ferritina foi acompanhado por uma elevação no risco de síndrome metabólica e de seus componentes, em especial a circunferência abdominal elevada e a hipertrigliceridemia (Tang et al., 2015).
Em relação à saturação de transferrina, para identificar deficiência de ferro, são recomendados valores de <16% para pacientes no geral e de <20% na presença de inflamação (Cappellini, Musallam e Taher, 2019).
Em comparação, um estudo verificou que níveis entre 23,7% e 31,3% de saturação da transferrina estavam relacionados ao menor risco de mortalidade cardiovascular (Elsayed, Sharif e Stack, 2016). Já em relação ao risco de diabetes mellitus tipo 2 e de doenças cardiovasculares, Zacharski et al. (2017) propuseram níveis ideais de saturação de transferrina entre 25-55%, por estarem associados à menor prevalência dessas doenças.
Com base nos resultados obtidos, elaborou-se um material didático, na forma de ebook, o qual foi dividido em seções que abordaram o funcionamento da tireoide, os distúrbios tireoidianos e os exames mais importantes para avaliar a atividade tireoidiana e as reservas de selênio e de ferro no organismo. Utilizando-se as redes sociais e aplicativos de mensagens, o material didático foi amplamente divulgado entre acadêmicos, professores, profissionais da saúde e a comunidade em geral, obtendo uma boa aceitação e despertando o interesse de várias pessoas sobre o tema.
considerações finais
A avaliação bioquímica é fundamental no monitoramento dos distúrbios da tireoide. Além disso, exames que avaliam as reservas de selênio e ferro no organismo têm ganhado destaque pelo papel essencial destes nutrientes no metabolismo tireoidiano. Portanto, é essencial que os nutricionistas sejam capazes de analisar corretamente os níveis hormonais e exames complementares a fim de avaliar a função tireoidiana e corrigir possíveis deficiências nutricionais que afetem a produção hormonal, buscando assim melhorar o estado de saúde e a qualidade de vida de seus pacientes.
REFERÊNCIAS
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Texto completo:
PDFReferências
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